São Paulo – A sociedade urbana e industrial, sem ter sido completa no Brasil, transita rápida e precocemente para a nova sociedade de serviços desde o final do século passado. Simultaneamente, assiste-se ao movimento de dissociação entre frações e classes sociais das tradicionais instituições de representação dos interesses, o que tem permitido ampliar a autonomia de determinados segmentos da burocracia estatal.
Sinal explícito de que a camada dominante da sociedade enfraqueceu a sua capacidade de dirigir o país, tendo de lançar mão, cada vez mais, da força coercitiva de sua dominação. Isso ocorre porque a ideologia principal da antiga sociedade urbana e industrial tendeu a se dissipar das grandes massas da sociedade, cada vez mais convertidas pelos valores da sociedade de serviços.
Nesse sentido, as dificuldades no exercício da hegemonia dominante resultam ainda da fraqueza das novas frações e classes sociais de serviços frente aos valores envelhecidos da antiga sociedade urbana e industrial. Em certa medida, o ciclo da Nova República experimentado entre os anos de 1985 e 2016, o mais longevo em termos de regime democrático, persistiu sem a presença longeva de uma maioria política dirigente diante da passagem da sociedade industrial para a de serviços.
O que predominou foram acordos pontuais, capazes de sustentar a dominância temporária, em maior ou menor grau, como verificada nos governos Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma. A preliminar de aceitação do resultado eleitoral pela oposição derrotada garantiu a longevidade do regime democrático num país fundado na cultura autoritária, mas insuficiente para reformar o projeto de industrialização tardia demarcado pela ordem da modernização conservadora.
O descompasso entre os dirigentes políticos fundados na velha sociedade industrial e a emergência das frações e classes sociais dos serviços ganhou nova etapa com o governo Temer que simplesmente abandonou o ciclo político da Nova República. Se a oposição derrotada não aceitou o resultado eleitoral, como observado em 2014, o que esperar do certame presidencial de 2018.
No dia 24 de janeiro, uma parcela do estamento burocrático (sem voto), representado pelo poder judiciário, cada vez mais autônomo, se pronunciará, antecipando algumas das dúvidas existentes sobre a veracidade das eleições livres para 2018. A decisão sobre o processo de Lula indicará o que esperar dessa etapa em que predomina o descompasso entre a camada dirigente e os anseios das novas frações e classe dos serviços.
Guardada a devida proporção, a República Velha (1889-1930) conviveu com situação semelhante, quando a longeva sociedade agrária escravista teve que se adaptar à emergência do novo modo de produção capitalista. Assim, uma geração de políticos assentados nos valores dominantes do agrarismo escravista teve que exercer as funções de liderança diante da expansão de novas frações e classes da sociedade competitiva e urbana.
O impasse gerado pelo descompasso entre os dirigentes políticos fundados na velha sociedade escravista e o avanço das frações e classes sociais urbanas e industriais somente foi superado após quatro décadas, quando Getúlio Vargas, embora estancieiro, liderasse uma maioria política suficiente para consagrar o projeto da nova sociedade urbana e industrial a partir da década de 1930.
Após três décadas de transição na sociedade brasileira, o ano de 2018 poderá apontar a liderança capaz de reunir novas frações e classes da sociedade de serviços em torno de um novo projeto para a sociedade. Mas isso dependerá, de certa forma, da definição que o Tribunal em Porto Alegre apresentará para a nação.
* Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)